terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Canonização e santificação

Sede santos, porque eu, o Senhor, vosso Deus, sou Santo” (Lv 19, 2). Desde o início dos tempos Deus convida seus filhos à santidade. Mas será que podemos realmente atender à condição de sermos imagem e semelhança de Deus?
Parece até mesmo contraditório dizer que a humanidade, em suas imperfeições, foi criada à imagem e semelhança do Pai. No entanto, isso é facilmente explicável quando se leva em consideração o pecado. Ou seja, mesmo sendo imagem e semelhança, também somos pecadores e essa condição acaba afastando a possibilidade de alcançar a perfeição. Ao enviar seu próprio Filho ao Mundo, Deus quis mostrar que é possível viver a condição humana e assim mesmo ser santo, conforme Ele sugere. Jesus conheceu todos os aspectos da humanidade, com exceção ao pecado.
Desde o início dos tempos, Deus quis um povo santo, no qual pudesse manter uma comunhão especial com Ele: de poder falar, andar e manter uma relação especial como mantivera com Adão e Eva. Após o pecado cometido, foram privados desta convivência especial e então separados de Deus, o que acarretou em sua morte espiritual, (Gn 2:17; 3:23-24).
O convite divino à humanidade é permanente e trata-se, na verdade, de buscar o melhor de si todos os dias. Santo "é aquele que vive separado das coisas mundanas e vive unido pela graça para o serviço do Reino de Deus" (Lc 9, 57-62; 1 Jo 2, 15-17). Segundo a Bíblia, a Santificação tem sido um elemento essencial na relação entre Deus e seu povo. Santo é aquele que pertence a Deus e dedica-se ao Seu serviço (Atos 27.23). Santificar-se é lavar-se através da Palavra (João 15.3); é purificar-se espiritualmente (II Coríntios 7.1).
Mas afinal, como a santidade acontece? Derivada da palavra "santificar", é originada da palavra grega "hagiazo" e significa "ser separado". Segundo a Bíblia, a santificação se refere em um ato soberano de Deus pelo qual Ele "separa" uma pessoa, lugar ou coisa a fim de que Seus propósitos sejam cumpridos. Por exemplo: Deus santificou o sétimo dia. No qual este foi "separado" como um dia sagrado para o descanso.
No caso da santificação de uma pessoa, esta é santificada sendo "separada" por Deus com propósitos divinos até a eternidade. É importante entender que a santificação é um processo de aperfeiçoamento espiritual, no qual Deus conduz a santidade e a mudança na vida por meio do Espírito Santo. O processo é individual, e tem o objetivo de evitar o pecado e produzir o crescimento espiritual. Mas é importante lembrar que a santificação não tem nada a ver com uma vida sem pecado e de perfeição. Pois o ser humano jamais terá uma vida sem pecados. A Bíblia adverte contra esses falsos ensinamentos em 1 João 1:8: "Se dissermos que não temos pecado nenhum, a nós mesmos nos enganamos, e a verdade não está em nós".
Processo
No início a Igreja não adotava um processo formal de reconhecimento dos santos, mas eles eram cultuados naturalmente pelo povo. Pelo que se tem notícia, o Bispo de Augsburg, Ulrich, foi o primeiro santo canonizado oficialmente por um Papa, no ano de 993, por João XV.
Assim sendo, a Igreja, ao longo da história, resolveu adotar critérios para a canonização de santos. Para este fim, em janeiro de 1588, nascia a Congregação para as Causas dos Santos (em latim Congregatio de Causis Sanctorum) criada pelo Papa Sixto V, que em 8 de maio de 1969, foi dividida pelo Papa Paulo VI em duas, uma passando a ser a Congregação para o Culto Divino e outra para as causas dos santos. Com as sucessivas mudanças no processo de canonização, em 18 de fevereiro de 2008 a Santa Sé torna público as regras que até hoje estão em vigor.
O atual Prefeito da Congregação é o Cardeal Ângelo Amato, auxiliado pelo secretário e subsecretário, além de uma equipe de 23 pessoas. A Congregação tem 34 Membros, Cardeais, Arcebispos e Bispos, um Promotor da Fé, cinco Relatores e 83 Consultores.
A Congregação prepara cada ano tudo o necessário para que o Papa possa propor novos exemplos de santidade.
O processo é bastante criterioso e envolve investigações minuciosas e a pesquisa de documentos com informações sobre os milagres, martírio e virtudes heróicas do candidato, feita pelo Bispo da Diocese na qual ele viveu. Após isso, é necessária a comprovação de pelo menos dois milagres para que o candidato possa ser canonizado pelo Papa.
Segundo a Constituição Divinus perfectionis Magister e a instrução Sanctorum Mater, ao bispo diocesano ou autoridade da hierarquia a ele equiparada, de iniciativa própria ou a pedido de fiéis, é a quem compete investigar sobre a vida, virtudes ou martírio e fama de santidade e milagres atribuídos e, se considerar necessário, a antiguidade do culto da pessoa cuja canonização é pedida. Nesta fase, a pessoa investigada recebe o tratamento de "Servo de Deus" se é admitido o início do processo.
O milagre deve ser uma cura inexplicável à luz da ciência e da medicina, consultando inclusive médicos ou cientistas.
Canonização e santificação
A canonização vem a ser um ato pelo qual a Igreja Católica Apostólica Romana declara que uma pessoa já falecida é um santo. Ela tem seu nome incluído no "Martirológio", uma espécie de lista dos santos reconhecidos pela Igreja. Este ato é de exclusividade do Vaticano, dedicado pelo alto clero e ratificado pelo Papa.
Os primórdios da Igreja foram marcados por muitas perseguições a quem se confessava cristão e por conta disso acabava sendo morto. Criou-se assim a tradição de guardar a memória daqueles que morriam por causa da sua fé: os mártires. Cada igreja particular, isto é cada diocese, tinha o seu martirológio, um elenco dos seus membros que tinha sofrido o martírio. A partir daí passou a dar-se importância litúrgica ao dia ao dia em que os fiéis comemoravam a passagem dos mártires à vida eterna, referido como o "dies natalis", e passou a comemorar-se o dia da sua morte com a celebração da sua memória, particularmente nos templos e localidades onde estavam as suas relíquias.
No século XVI a Igreja decidiu unificar os vários martirológios num documento único que reunisse todos os santos e beatos como tais oficialmente reconhecidos pelas autoridades eclesiásticas, a cargo do Cardeal Cesare Baronio. No decorrer do tempo e a declaração de novos santos, foram introduzidas sucessivas modificações no documento, procurando mantê-lo atualizado através de edições periódicas. Daí resultaram centenas de revisões e correções Apesar do nome, inclui todos os santos conhecidos e não apenas os mártires. A primeira versão foi escrita no século XVI e aprovada pelo papa Gregório XIII em 1586. A edição mais recente data de 2001, substituindo a versão anterior, de 1956. A edição atual traz 6.538 santos e beatos, mas o seu número total é maior, já que em muitos casos se refere apenas um nome, acompanhado pela menção: "e companheiros mártires". É um livro litúrgico que constitui a base dos calendários litúrgicos que determinam a data das festas religiosas anuais.
O documento incluiu as sucessivas canonizações e beatificações ocorridas durante o papado de João Paulo II, que proclamou 1.341 beatos e 482 novos santos. Ele está ordenado segundo os dias do calendário, incluindo o local e a data de morte, o título canônico (apóstolo, mártir, confessor, virgem, ou outro), o tipo de memória litúrgica e algumas notas sobre a sua espiritualidade e fatos relevantes da vida e obra.
A revisão foi feita conforme estabelecido no Concílio Vaticano II, sendo excluídos os santos e beatos sobre os quais não se possuía notícia certa. "não é um livro de história para saber todos os detalhes da vida de um santo, é um texto destinado a celebrar a santidade, esse dom extraordinário, fruto da vocação cristã", afirmou o então Cardeal chileno Jorge Arturo Medina Estevez, então Prefeito da Congregação Vaticana para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, quando lançado, em 2001. Foi a primeira vez que o texto foi traduzido para diversas línguas, já que até então era editado apenas em latim.
Reconhecidos pela Igreja
A última cerimônia de proclamação de novos santos foi feita pelo Papa Bento XVI, na praça de São Pedro, no último dia 23 de outubro, quando foram canonizados São Guido Maria Conforti (Bispo fundador dos Missionários Xaverianos), São Luís Guanella (Fundador dos Servos da Caridade e das Filhas de Santa Maria da Providência) e Santa Bonifácia Rodriguez de Castro (Fundadora da Congregação das Servas de São José).
Com relação a santos que passaram pelo Brasil, as primeiras canonizações aconteceram em 1628, com os três mártires do Rio Grande do Sul: São Roque Gonzales, Santo Afonso Rodrigues e São João de Castilho, 1 paraguaio e 2 espanhóis. Já o primeiro santo genuinamente brasileiro é Santo Antônio de Sant'Anna Galvão, natural de Guaratinguetá, SP, beatificado em 1998 e canonizado em 2007.
A Santidade é algo inatingível ?
Dom José Alberto Moura afirma que santidade de uma pessoa é reconhecida oficialmente pela Igreja como exemplo a ser seguido e por sua instância junto a Deus em benefício da pessoa que o invoca. "Às vezes se julga a santidade como algo inatingível por muitos, devido aos próprios limites, problemas e falhas. Deus nos fala para sermos santos como Ele o é. Jesus nos desafia a sermos perfeitos como o Pai. Desse modo, a santidade e a perfeição parecem utopias. Mas, em relação a nós, pecadores, a santidade não é a conquista já ou imediata da perfeição", afirma.
É evidente que a santidade não é o simples esforço humano a conquistá-la. Para adquiri-la a pessoa deve ser humilde em reconhecer a própria fragilidade e a bondade infinita de Deus. Confia nele. Sua graça é que nos faz santos. No entanto, o esforço humano em colaborar com a ação de Deus deve ser bem manifesta. "Tivemos grandes pecadores que, tocados pela ação de Deus, mudaram completamente suas vidas e se puseram em consonância com o projeto dele. Pedro, Paulo, Agostinho, Inácio de Loyola e tantos outros são eminentes convertidos. Não há tamanhos pecadores que não possam superar seus limites", completa.
Há santos e santas no mundo atual, com verdadeiras características do ser humano engajado na história. Sua marca tem sido forte na família, na Igreja, nas profissões, no trabalho, na política, na ciência, na economia, na mídia... Não se deixam corromper. Defendem o direito e a justiça. São éticos. Fazem família conforme sua razão de ser, seguindo os critérios e valores humanos e transcendentes. Não seguem o caminho das facilitações imorais. Responsabilizam-se pelo bem da comunidade. Levam a sério sua condição humana e religiosa. Depois de sua caminhada terrestre vão se encontrar no meio dos bem-aventurados: "Depois disso, vi uma multidão imensa de gente de todas as nações, tribos, povos e línguas, e que ninguém podia contar. Estavam de pé diante do trono e do Cordeiro..." (Ap 7, 9).
"Ninguém já é santo completo desde o nascimento, a não ser o Filho de Deus e Maria. É preciso que seja marcado com o sinal de redenção e corresponda ao dom da mesma levada a efeito no decorrer da vida. Por isso, vale a pena cada um fazer a própria história na correspondência à graça da salvação recebida. A fidelidade a Deus nos coloca atentos ao sentido da vida apresentada por Ele", conclui Dom José.
Santidade leiga
Em um texto, Dom Cláudio Humes afirma que não somente as pessoas com vocação de especial consagração na Igreja, como sacerdotes e religiosos, são chamadas à santidade, mas todos nós, também os leigos. A santidade é vocação universal dos batizados e até mesmo de todas as pessoas de boa vontade, que seguem sua consciência. Esse princípio da liberdade de consciência, defendido pela Igreja, supõe a "boa vontade", isto é, o empenho incessante de formar sua consciência, na busca da verdade e do bem.
"Em sua essência, para os cristãos a santidade significa viver coerentemente sua fé religiosa no dia-a-dia, em seu trabalho profissional e no seu estado de vida. Assim, o matrimônio cristão e a consequente vida familiar são caminho e oportunidade de santidade para os casados. Igualmente, toda profissão honesta", afirma.
E prossegue: "A fé religiosa, no sentido bíblico do termo, não se resume a aderir intelectualmente à doutrina extraída da Bíblia, ainda que essa adesão faça parte da fé. "Muito mais, fé significa aderir com toda a sua pessoa a Deus, entregar-se todo a ele, confiar incondicionalmente nele, ser capaz de investir toda a sua vida nele, deixar que ele invada nosso coração e nosso espírito e nos transforme. Portanto, trata-se de um envolvimento pessoal com ele".
Como grande programa de santidade leiga, o Concílio Vaticano II propõe: "Faz-se mister que os leigos assumam a renovação da ordem temporal como sua função própria e nela operem de maneira direta e definida, guiados pela luz do Evangelho e pela mente da Igreja, e levados pela caridade cristã. Cooperem como cidadãos com os cidadãos, com sua competência específica e responsabilidade própria. Procurem por toda parte e em tudo a justiça do reino de Deus. De tal sorte deve ser reformada a ordem temporal, que, conservando-se integralmente suas leis próprias, se conforme aos princípios mais altos da vida cristã e se adapte às condições diferentes dos lugares, tempos e povos" (Ap. Act. n° 7).

Fonte: Voz de Nazaré - Belém do Pará - 03/02/2012

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