Ouvistes, caríssimos irmãos, no ensinamento do santo Evangelho preceitos
para a vida; e ouvistes também coisas que revelam nosso perigo; e
observai com atenção que o Senhor, que é bom por seu próprio ser, e não
por alguma virtude adquirida, disse: “Eu sou o bom pastor”. E para que
seu exemplo nos torne bons, disse: “O bom pastor da a sua vida por suas
ovelhas”. Ele fez o que ensina, e nos mostrou o que é que devemos fazer.
O bom pastor deu a sua vida por suas ovelhas, para dar-nos sua
carne e sangue no santíssimo sacramento, aonde as ovelhas redimidas
poderiam se sustentar em sua graça. E tendo-nos ensinado que devemos
fazer pouco caso da morte, quis dar-nos a regra para que a sigamos. A
primeira coisa que nos manda é que, para auxilio das ovelhas, nós os
pastores, partilhemos com liberalidade todos os nossos bens exteriores
com muita caridade; e depois disto, se for necessário, que ofereçamos
também nossa vida pela salvação das mesmas ovelhas.
Do primeiro, que
é muito pouco, sobe-se ao segundo, que é mais importante. Mas como a
alma é mais estimada, e sem comparação de alto valor, e mediante a qual
vivemos, que não há bens que lhe compare; aquele que não oferta seus
bens como socorro para suas ovelhas, quando creremos que dará a própria
vida? E é daqui que muitos perdem o nome de pastor, e com razão, pois
valorizam mais os bens, que a vida das ovelhas que lhe foram confiadas, e
é deles que se diz “O mercenário, que não é pastor e não é dono das
ovelhas, vê o lobo chegar, abandona as ovelhas e foge”.
Este não é
pastor, mas mercenário, porque não apascenta as ovelhas do Senhor pelo
amor que as tem, mas somente para ganhar a diária que lhe pagam. Sem
dúvida, é mercenário aquele que tem emprego de pastor, e não procura o
bem das almas de suas ovelhas, dando atenção apenas às rendas e as
ganâncias que dali colhe. Desfruta na honra de pastor na qual se vê:
apascenta-se a si mesmo dos proveitos temporais que dali tira, e se
alegra de ver que todos o têm em grande reverência.
Esta é a
verdadeira paga do mercenário, encontrar as coisas que ama desta vida em
pagamento de seu trabalho, ainda que nunca suba nem entre no céu, que é
a herança das ovelhas. Verdade é que, não havendo ocasião ou
necessidade, muitas vezes não conhecereis facilmente qual é pastor ou
mercenário: porque quando o tempo está calmo e tranquilo, também se está
com o ganho tanto o mercenário quanto o pastor; mas vindo o lobo se
conhece qual é pastor, e qual é o mercenário, e o cuidado que cada um
destes tem com suas ovelhas.
Sabei que o lobo vem para junto das
ovelhas, sempre que algum tirano maltrata aos cristãos pobres e humildes
por ver que não oferecem grande resistência; e neste caso, o que
parecia pastor e não era, deixa as ovelhas, esqueceu-se da salvação
destas visando seu próprio interesse. E este fugir não se entende como
mudança de lugar, nem indo de uma parte para a outra, mas deixando de
pastorear as ovelhas com a consolação das palavras, e com a esmola das
obras, segundo a necessidade.
Foge, também quando vê que as suas
ovelhas são oprimidas, e se cala. Foge, por que se esconde na casa do
silêncio, não querendo falar em favor delas. Pois, falando desses
pastores o Senhor disse pela boca do profeta Ezequiel: “não subistes
para ir ao encontro, nem pusestes muralha em defesa da casa de Israel,
para que o dia do Senhor vos encontrasse no combate”. Pe. Paulo Sergio Gouveia
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