domingo, 21 de setembro de 2014

Deus nos chama a trabalhar na sua vinha - Padre José Assis Pereira

O ensinamento do evangelho de hoje (cf. Mt 20,1-16), vem da “parábola dos trabalhadores na vinha”. Jesus toma um episódio da vida cotidiana, do mundo do trabalho. A cena é muito familiar, tanto para Jesus como para os seus ouvintes e Ele a transforma em Palavra de Deus: uma palavra em imagens do trabalho.

É o tempo da colheita, há necessidade de mão de obra; o próprio dono da vinha vai contratar, em horários diferentes, vários trabalhadores para sua vinha: “vão trabalhar na minha vinha!” Quando contrata a primeira turma acerta “uma moeda de prata por dia”. Nas turmas seguintes ele já não diz o quanto vai pagar, pagará “o que for Justo”. Ao fazer o pagamento, ficamos sabendo que todos, dos últimos aos primeiros, receberam o mesmo salário, começando pelos últimos, contratados à tardinha, até os primeiros, contratados de manhã: não há nenhuma distinção, todos são iguais, é a igualdade da recompensa do Reino de Deus.

Aí se situa o pensamento de Deus nesta parábola, no momento em que o dono da vinha fez o pagamento igual para todos! Por que age assim? Diz o Senhor: “Porque eu sou bom!” É assim que Deus é! Tão bom! Ele faz participar do seu Reino publicanos e pecadores, sem mérito da parte deles, pois tamanha é a sua bondade. A maneira de Deus agir não se iguala à nossa. Ele é absolutamente livre para agir como quiser. E essa liberdade é pontuada por seu amor incondicional e sua generosidade.

A gratuidade é um dos temas mais difíceis de entender e viver na prática, porque geralmente o ser humano quer ser recompensado por suas boas ações, porque vivemos numa sociedade cuja lógica é a do poder, da retribuição e o Reino de Deus não se apresenta como recompensa por nossos méritos pessoais. É puro dom de Deus que nos chama gratuitamente a participar.

Em Deus tudo é gratuito, nós não deveríamos ser mesquinhos e sim seus imitadores, dando com generosidade e bondade uma resposta amorosa ao seu convite à conversão e a seu serviço, sem esperar recompensas por méritos próprios, sem olhar o que os outros recebem, sem exigir ou pressupor aplausos e sem guardar mágoas e ingratidões. Essa é uma das lições evangélicas mais difíceis.

A primeira imagem da parábola é a do “trabalho” que transforma o mundo, do trabalho na comunidade cristã. Na sociedade atual o problema número um do ponto de vista sociológico, político e econômico é o trabalho. Constatamos também que o trabalho era uma questão religiosa importante nos inícios do cristianismo. Jesus mesmo foi um trabalhador, um modesto artesão, o Filho de Deus trabalhou com mãos humanas, seus apóstolos eram trabalhadores, o apóstolo Paulo trabalhava, inclusive durante as viagens missionárias. Por isso a maior parte das parábolas evangélicas está inspirada e ambientada no mundo do trabalho.

Entre os padres da Igreja, são João Crisóstomo (sec. V), bispo e doutor da Igreja, é o que mais se ocupa do problema do trabalho. À pergunta se Adão trabalhou no paraíso, visto que a pena de ganhar o pão com o suor vem só depois do pecado, (cf Gn 3,19) Crisóstomo responde: “O homem foi criado à imagem de Deus (Gn 1,26). Deus, que o criou, é o primeiro trabalhador que produz o mundo e sua beleza, em seis dias. Sua obra continua na história do mundo, como o atesta Jesus: “Meu Pai trabalha até agora, e eu também trabalho” (Jo 5,17). Portanto, toda humanidade deve trabalhar...”.

Se Deus destinou o ser humano ao trabalho, deu também uma finalidade última a esta obra. Isto, segundo Crisóstomo, é claro. A criação é o início de uma obra colossal que continua na história. Deus a começou, nós somos chamados a levá-la ao término como seus colaboradores. Neste mundo que Deus e nós criamos, há muitíssimo trabalho a fazer. O resultado será divino-humano. Por isso devemos considerar o mundo que vemos com nossos olhos como uma obra que, todavia não está terminada.

Para os Padres da Igreja, quando falavam de como terminar a obra da criação, pensavam que Deus não cria só com a finalidade de que algo exista. O artista não pinta um quadro só para preencher um espaço. Fica contente quando vê que a obra é bela. A beleza aos olhos de Deus se identifica com a santidade. Por isso tudo o que Ele cria o quer santificar. O homem é chamado a essa santificação. Como, então trabalhar para que o universo seja santificado?

Quando um grande mestre pintor deixa seu discípulo terminar a obra, isto é sinal da grande confiança para com seu discípulo. Ele acredita que o discípulo é capaz de compreender a ideia que inspirou o quadro e que não agregará nenhuma coisa estranha, do mesmo modo é necessário fazer tudo segundo a vontade de Deus, sua vontade é o princípio de nosso trabalho. Todo trabalho humano faz parte e realiza o grande projeto divino. Sem dúvida, a obra de Deus é primariamente para o bem da humanidade.

Mas a parábola não é sobre questões de justiça social ela está inserida no Evangelho de São Mateus na seção do “discurso sobre a comunidade cristã, sobre a Igreja”. Nestes tempos de “nova evangelização” e da “Igreja que sair” em missão, os protagonistas desta missão devemos ser nós, homens e mulheres, pessoas, famílias, comunidades que aceitam trabalhar na “vinha do Senhor”. Trabalhadores humildes e generosos que participam na missão de Jesus e da Igreja. Neste contexto, todos devemos considerar-nos como Bento XVI que se autodefiniu como “um simples trabalhador na vinha do Senhor”.

Uns recebem o convite para trabalhar na vinha do Senhor ainda crianças, os chamados da primeira hora; outros em sua adolescência; há quem ouviu o chamado de Deus na maturidade, outros escutam a voz na terceira idade, e também quem vai à vinha do Senhor em seus últimos anos de vida. Cada qual tem seu tempo e seu momento. A conversão não tem idade. “Vão trabalhar na minha vinha!” Deus não se importa com o quando, mas sim qual é nossa resposta.

Na parábola Jesus denuncia de uma forma dura, a religião dos “méritos”, ensinada pelos fariseus que pensam que é porque eles observam escrupulosamente a lei e por suas boas ações que têm certeza de receber por mérito a salvação.

Em nossa comunidade eclesial podemos cair no mesmo erro. Acharmos que se formos "cumpridores" dos ritos e se nos esforçarmos em levar em prática a doutrina, receberemos o prêmio da salvação. Talvez até nos incomode que outros com menos esforço também sejam acolhidos por Deus. Mas, tudo é graça, é dom e não estamos em um concurso de méritos, pois é Deus que nos "dá" gratuitamente a salvação.

Diante de Deus não há monopólios exclusivistas nem tem cabimento a pretensão de manipular os seus favores de acordo com os nossos egoísmos pessoais. Os dons de Deus, a sua graça, o chamamento à fé e a entrada no seu Reino são sempre imerecidos e são fruto exclusivo da sua bondade generosa. Deus espera a nossa resposta agradecida, a nossa colaboração livre e responsável ao seu convite: “Vão vocês também trabalhar na minha vinha!”

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