Profeta é aquele que é chamado para anunciar, falar em nome de. Ele
fala sobre a Palavra criadora, ou seja, fala da Palavra divina. Um
destes foi o profeta Isaías. A vocação profética de Isaías deu-se no
Templo, no ano 742 a.c. Sua missão desenrola-se no trabalho da guerra
entre os Sírios e a tribo de Efraim (734 -733 a.c) e da queda do reino
de Israel (722 a.c) sob os reis de Judá Acaz e Ezequias. São por isso
compreensível os temas políticos de sua mensagem. O tema fundamental de
sua profecia é a santidade de Deus, a qual deve corresponder no homem à
fé.
Na história da salvação há dois fatores a fé- confiança e a
incredulidade. O primeiro traz a vida e o segundo a destruição. Como
Israel persiste na incredulidade o profeta abre caminho para uma
reflexão baseada no “resto de Israel”, continuador da história da
salvação e sinal da fidelidade de Deus às promessas. Um profeta é sempre
fruto do seu tempo, é um homem da Palavra e da história.
No início
de toda missão profética há sempre um encontro com Deus. Uma
experiência de Deus que transforma toda a vida d’aquela pessoa.
Geralmente esta experiência de Deus nasce do foco da missão profética e é
algo pessoal. No caso do nosso profeta Isaías nasceu da consciência da
santidade de Deus. Talvez por que Isaías era uma pessoa ligada ao
Templo. Então era muito forte a ideia de puro/impuro. Esta experiência
está descrita em Isaías 6, 10.
Mesmo que o texto descreva como algo
que aconteceu em um único momento esta experiência de Deus vai se dando
por etapas. No início há um revelar-se de Deus como um relâmpago no
horizonte da vida do profeta, um clarão tão forte que o deixa no escuro,
depois vem o desdobramento desta experiência.
Isaías está no Templo
participando de uma liturgia e de repente ele tem um encontro com a
majestade de Deus onde os seus anjos proclamavam a sua santidade. O
profeta tem a certeza existencial de que somente Deus é santo. Esta
experiência foi algo tão forte para Isaías que ele vai sempre chamar a
Deus de “o Santo de Israel” (I, 4; 5, 19.24; 10, 17.20; 41, 14.16.20).
Isaías contempla a santidade de Deus e olha para si e para seu povo.
Sente a distância que há entre aquele que é o Três vezes santo e a sua
pessoa. Diante desta santidade de Deus Isaías se sente impuro, pecador.
Se Deus é santo o homem deve também buscar o caminho da santidade. Mas
Isaías é um homem impuro: “homem de lábios impuros e que vive no meio de
um povo de lábios impuros”.
A consciência da santidade de Deus
causa no profeta um impacto, um terremoto, podemos dizer que o
desarticula até a medula, o desnorteia. O que fazer? Fugir da presença
de Deus como fez os nossos primeiros pais? (Gen 3), ou enfrentar os
próprios limites, o orgulho e com a ajuda de Deus vencer a barreira que o
separa do seu Senhor, a sua impureza?
Aqui há duas possibilidades,
ou o homem nega a sua condição de impuro e persevera no seu orgulho se
distanciando de Deus e tratando-o como se ele não existisse, ou o homem
toma consciência de sua miséria e coloca-se diante de Deus como o
leproso do evangelho: “Senhor se quiseres podes me purificar”. É um
momento tenso na vida de cada pessoa, tenso por que decisivo. Desta
decisão pode depender toda a razão de sua existência.
Mas há outra
possibilidade por demais perigosa. É a que o homem faz de conta que tudo
está certo, que o encontro com Deus apenas confirma aquilo que a pessoa
já imaginava. Não há abertura para conversão, por que a pessoa já é boa
demais. E Deus é bonzinho e só vai lhe trazer paz. É a teia psicológica
que todo religioso pode cair e terminar criando um ídolo para si.
Por que na experiência de Deu o homem está diante da Palavra, a mesma
que o criou e que o sustenta e que, como diz o evangelho de João, “vindo
a este mundo ilumina todo homem”. A Palavra é luz que invade as nossas
trevas, as cavernas do nosso coração, que desfaz as nossas mentiras.
Neste momento de iluminação o homem sente uma angustia muito grande,
pois cai por terra a “imagem perfeita” que ele tinha de si mesmo.
Quantas vezes Isaías foi ao templo adorar a Deus, depois de fazer todas
as purificações, se sentindo em paz consigo mesmo, santo e de repente em
um belo dia a majestade de Deus o faz perceber que na realidade ele é
um homem como qualquer outro da sociedade, um homem de lábios impuros.
Nada mais horrível na vida de um ser humano do que as seguranças
religiosas, o pensar que já está pronto, o imaginar-se o melhor. A
presença de Deus derruba todas estas falsas ideias e como isso é
doloroso na nossa caminhada.
Todo caminho de espiritualidade para
ser autêntico deve passar por esta experiência de sentir-se distante de
Deus. Ela é necessária. Se não acontece caímos na ilusão espiritual e
não crescemos. Lembremos-nos de Jeremias, ele fez também a experiência
com a Palavra, mas em certo momento ele diz “a palavra de Deus se tornou
para mim causa de vergonha”. Aqui está o eco mais doloroso do encontro
com a Palavra.
Mas é nesta experiência dolorosa que Deus nos
prepara e está preparando Isaías para ser profeta, para transmitir a sua
palavra. Acontece com Isaías o mesmo que aconteceu com o povo de Israel
(Deut 8, 2-4). Sem as “humilhações de Deus” ninguém pode estar
preparado para ser portador da Palavra, sem a experiência da própria
indigência, da própria necessidade de pedir perdão ninguém pode conduzir
a Palavra de misericórdia.
É preciso sofrer a Palavra, por que ela
é um fogo que devora. O profeta precisa vivenciar este fogo, sentir que
a própria pele está sendo queimada para poder dizer algo para seus
irmãos. Quantas pregações moralistas que escutamos por ai, e de
imediato percebemos que o irmãozinho não tem experiência com a Palavra e
por isso o primeiro que vai se afogar nela será ele mesmo, por que ele
não sofreu a Palavra.
Mas continuemos com Isaías. Ele toma
consciência de que é um homem impuro. É a fase dolorosa do processo de
purificação. A Bíblia o resume em poucas palavras “sou um homem de
lábios impuros”. Mas não podemos menosprezar o drama vivido pelo profeta
diante da sua realidade pessoal de impureza. Com certeza neste momento
ou momentos devem ter passado todo o filme da vida de Isaías, todas as
suas infidelidades, agora elevadas a um grau muito grande devido a
contemplação da pureza de Deus.
O profeta deve ter pensado: “quem
sou eu diante dele?” Como me colocar de pé diante dele. Moisés baixou o
rosto, a bíblia não afirma, mas Isaías também deve ter baixado o rosto. A
luz que emana de Deus revela a escuridão da alma. Mas neste momento o
que fazer? Nada acontece por acaso. Se Deus me ilumina é que ele quer
que eu seja luz. Qual decisão que o Senhor esta forçando o profeta a
tomar senão o de vir para a luz. Vindo para a luz acontece a vitória de
Deus e a vitória do homem. No grito angustiante de que não sou nada
surge o tudo de Deus. No momento em que a pessoa pensa que esta se
esvaindo Deus o está recriando.
Deus o recria purificando-o. E
declara que a sua iniquidade foi removida e o seu pecado perdoado. Na
realidade Deus quer dizer: “Olha Isaías, você viu a minha glória, mas
nunca esqueça que você é um pecador, que eu purifiquei você e que se eu
vou mandar você pregar a minha Palavra, denunciar os pecados do meu povo
através de você, mas nunca esqueça que o primeiro impuro é você, quem
primeiro precisa ouvir a minha Palavra e ser purificado é você”.
Deus toma a vida do profeta como modelo para a vida do povo. Daqui nasce
à necessidade de “sofrer a Palavra”, de sentir a impotência humana em
viver a Palavra, perceber as contradições da vida em relação à Palavra.
Ela é muito maior do que eu. Somente quem passa por essa situação é
quem pode dizer alguma coisa sobre a Palavra.
Mas por que
precisamos disso? Porque se a Palavra é poderosa, ela só é poderosa por
que ela é humilde. No seu cântico Maria disse “Ele olhou para a
humildade de sua serva”. Somente os humildes é quem podem ser portadores
da Palavra. Por isso, que a Palavra antes de tudo deve nos humilhar, no
sentido de nos colocar “em atitude de humilde”.
Precisamos de
atitudes de humildade por que o verdadeiro profeta “não clamará, não
levantará a voz nas ruas, não quebrará a cana rachada, não apagará a
mecha bruxuleante”. Será humilde, pois a sua força estará na fidelidade a
Palavra.
Depois desta purificação a Isaías se dispõe a anunciar a
Palavra. Surge o “Eis-me aqui, envia-me a mim”. Agora sim, Deus envia o
profeta. Este começa a sua missão. Porém, Deus não engana o profeta, nos
versículos seguintes (6, 9-10) Deus alerta o profeta sobre o fracasso
da sua missão. A pregação de Isaías embaterá na incompreensão de seus
ouvintes. O profeta não deve ter ilusão. Deus não quer a incompreensão
do povo, mas ele a prevê e ela serve aos planos de Deus. Esta
incompreensão descobre o pecado do coração do povo. Deus revela ao seu
profeta que a sua missão será dura, difícil. Mas esta dificuldade será
apenas uma etapa da missão.
Aqui convido a ler todo o capitulo 53
de Isaías. O servo sofredor é o profeta, é todo aquele que anuncia a
Palavra. O profeta terá que “passar pela água, passar pelo fogo e o
mais incrível não se queimará”. Mas ele não se queimará por que já foi
queimado pelo fogo do Senhor.
Terá que viver o cansaço, a decepção
causada pela recusa da Palavra “Mas eu disse foi em vão que me fatiguei,
debalde, inutilmente gastei as minhas forças”. Mas será por meio do
profeta que “o desígnio de Deus há de triunfar. Após o trabalho
fatigante da sua alma ele verá a luz e se fartará” (53, 10-11). Ele sabe
que a Palvra não volta atrás. Ela sempre dá seus frutos (Is 55, 11).
Toda a caminhada do profeta é a caminhada da Palavra, o profeta está
intimamente unido ao destino da Palavra. Vemos que a Palavra de Deus é
tão rica, tão poderosa e maravilhosa, mas também tão desafiadora. Ser
profeta é estar na periferia do mundo, é viver da fé, da certeza da
vitória sobre o mal, pois no final de tudo o triunfo será da Palavra.
Custe o que custar no final o triunfo será da Palavra e com a Palavra o
triunfo será do profeta.
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