domingo, 15 de fevereiro de 2015

PALESTRA PROFERIDA NO RETIRO DE CARNAVAL NA PAROQUIA DE AREIAL SOBRE O PROFETA ISAÍAS -Pe. Paulo Sérgio A. Gouveia


Profeta é aquele que é chamado para anunciar, falar em nome de. Ele fala sobre a Palavra criadora, ou seja, fala da Palavra divina. Um destes foi o profeta Isaías. A vocação profética de Isaías deu-se no Templo, no ano 742 a.c. Sua missão desenrola-se no trabalho da guerra entre os Sírios e a tribo de Efraim (734 -733 a.c) e da queda do reino de Israel (722 a.c) sob os reis de Judá Acaz e Ezequias. São por isso compreensível os temas políticos de sua mensagem. O tema fundamental de sua profecia é a santidade de Deus, a qual deve corresponder no homem à fé.

Na história da salvação há dois fatores a fé- confiança e a incredulidade. O primeiro traz a vida e o segundo a destruição. Como Israel persiste na incredulidade o profeta abre caminho para uma reflexão baseada no “resto de Israel”, continuador da história da salvação e sinal da fidelidade de Deus às promessas. Um profeta é sempre fruto do seu tempo, é um homem da Palavra e da história. 

No início de toda missão profética há sempre um encontro com Deus. Uma experiência de Deus que transforma toda a vida d’aquela pessoa. Geralmente esta experiência de Deus nasce do foco da missão profética e é algo pessoal. No caso do nosso profeta Isaías nasceu da consciência da santidade de Deus. Talvez por que Isaías era uma pessoa ligada ao Templo. Então era muito forte a ideia de puro/impuro. Esta experiência está descrita em Isaías 6, 10. 

Mesmo que o texto descreva como algo que aconteceu em um único momento esta experiência de Deus vai se dando por etapas. No início há um revelar-se de Deus como um relâmpago no horizonte da vida do profeta, um clarão tão forte que o deixa no escuro, depois vem o desdobramento desta experiência.

Isaías está no Templo participando de uma liturgia e de repente ele tem um encontro com a majestade de Deus onde os seus anjos proclamavam a sua santidade. O profeta tem a certeza existencial de que somente Deus é santo. Esta experiência foi algo tão forte para Isaías que ele vai sempre chamar a Deus de “o Santo de Israel” (I, 4; 5, 19.24; 10, 17.20; 41, 14.16.20).

Isaías contempla a santidade de Deus e olha para si e para seu povo. Sente a distância que há entre aquele que é o Três vezes santo e a sua pessoa. Diante desta santidade de Deus Isaías se sente impuro, pecador. Se Deus é santo o homem deve também buscar o caminho da santidade. Mas Isaías é um homem impuro: “homem de lábios impuros e que vive no meio de um povo de lábios impuros”. 

A consciência da santidade de Deus causa no profeta um impacto, um terremoto, podemos dizer que o desarticula até a medula, o desnorteia. O que fazer? Fugir da presença de Deus como fez os nossos primeiros pais? (Gen 3), ou enfrentar os próprios limites, o orgulho e com a ajuda de Deus vencer a barreira que o separa do seu Senhor, a sua impureza? 

Aqui há duas possibilidades, ou o homem nega a sua condição de impuro e persevera no seu orgulho se distanciando de Deus e tratando-o como se ele não existisse, ou o homem toma consciência de sua miséria e coloca-se diante de Deus como o leproso do evangelho: “Senhor se quiseres podes me purificar”. É um momento tenso na vida de cada pessoa, tenso por que decisivo. Desta decisão pode depender toda a razão de sua existência. 

Mas há outra possibilidade por demais perigosa. É a que o homem faz de conta que tudo está certo, que o encontro com Deus apenas confirma aquilo que a pessoa já imaginava. Não há abertura para conversão, por que a pessoa já é boa demais. E Deus é bonzinho e só vai lhe trazer paz. É a teia psicológica que todo religioso pode cair e terminar criando um ídolo para si. 

Por que na experiência de Deu o homem está diante da Palavra, a mesma que o criou e que o sustenta e que, como diz o evangelho de João, “vindo a este mundo ilumina todo homem”. A Palavra é luz que invade as nossas trevas, as cavernas do nosso coração, que desfaz as nossas mentiras. Neste momento de iluminação o homem sente uma angustia muito grande, pois cai por terra a “imagem perfeita” que ele tinha de si mesmo. 

Quantas vezes Isaías foi ao templo adorar a Deus, depois de fazer todas as purificações, se sentindo em paz consigo mesmo, santo e de repente em um belo dia a majestade de Deus o faz perceber que na realidade ele é um homem como qualquer outro da sociedade, um homem de lábios impuros. Nada mais horrível na vida de um ser humano do que as seguranças religiosas, o pensar que já está pronto, o imaginar-se o melhor. A presença de Deus derruba todas estas falsas ideias e como isso é doloroso na nossa caminhada. 

Todo caminho de espiritualidade para ser autêntico deve passar por esta experiência de sentir-se distante de Deus. Ela é necessária. Se não acontece caímos na ilusão espiritual e não crescemos. Lembremos-nos de Jeremias, ele fez também a experiência com a Palavra, mas em certo momento ele diz “a palavra de Deus se tornou para mim causa de vergonha”. Aqui está o eco mais doloroso do encontro com a Palavra. 

Mas é nesta experiência dolorosa que Deus nos prepara e está preparando Isaías para ser profeta, para transmitir a sua palavra. Acontece com Isaías o mesmo que aconteceu com o povo de Israel (Deut 8, 2-4). Sem as “humilhações de Deus” ninguém pode estar preparado para ser portador da Palavra, sem a experiência da própria indigência, da própria necessidade de pedir perdão ninguém pode conduzir a Palavra de misericórdia. 

É preciso sofrer a Palavra, por que ela é um fogo que devora. O profeta precisa vivenciar este fogo, sentir que a própria pele está sendo queimada para poder dizer algo para seus irmãos. Quantas pregações moralistas que escutamos por ai, e de imediato percebemos que o irmãozinho não tem experiência com a Palavra e por isso o primeiro que vai se afogar nela será ele mesmo, por que ele não sofreu a Palavra.

Mas continuemos com Isaías. Ele toma consciência de que é um homem impuro. É a fase dolorosa do processo de purificação. A Bíblia o resume em poucas palavras “sou um homem de lábios impuros”. Mas não podemos menosprezar o drama vivido pelo profeta diante da sua realidade pessoal de impureza. Com certeza neste momento ou momentos devem ter passado todo o filme da vida de Isaías, todas as suas infidelidades, agora elevadas a um grau muito grande devido a contemplação da pureza de Deus. 

O profeta deve ter pensado: “quem sou eu diante dele?” Como me colocar de pé diante dele. Moisés baixou o rosto, a bíblia não afirma, mas Isaías também deve ter baixado o rosto. A luz que emana de Deus revela a escuridão da alma. Mas neste momento o que fazer? Nada acontece por acaso. Se Deus me ilumina é que ele quer que eu seja luz. Qual decisão que o Senhor esta forçando o profeta a tomar senão o de vir para a luz. Vindo para a luz acontece a vitória de Deus e a vitória do homem. No grito angustiante de que não sou nada surge o tudo de Deus. No momento em que a pessoa pensa que esta se esvaindo Deus o está recriando. 

Deus o recria purificando-o. E declara que a sua iniquidade foi removida e o seu pecado perdoado. Na realidade Deus quer dizer: “Olha Isaías, você viu a minha glória, mas nunca esqueça que você é um pecador, que eu purifiquei você e que se eu vou mandar você pregar a minha Palavra, denunciar os pecados do meu povo através de você, mas nunca esqueça que o primeiro impuro é você, quem primeiro precisa ouvir a minha Palavra e ser purificado é você”.

Deus toma a vida do profeta como modelo para a vida do povo. Daqui nasce à necessidade de “sofrer a Palavra”, de sentir a impotência humana em viver a Palavra, perceber as contradições da vida em relação à Palavra. Ela é muito maior do que eu. Somente quem passa por essa situação é quem pode dizer alguma coisa sobre a Palavra. 

Mas por que precisamos disso? Porque se a Palavra é poderosa, ela só é poderosa por que ela é humilde. No seu cântico Maria disse “Ele olhou para a humildade de sua serva”. Somente os humildes é quem podem ser portadores da Palavra. Por isso, que a Palavra antes de tudo deve nos humilhar, no sentido de nos colocar “em atitude de humilde”.

Precisamos de atitudes de humildade por que o verdadeiro profeta “não clamará, não levantará a voz nas ruas, não quebrará a cana rachada, não apagará a mecha bruxuleante”. Será humilde, pois a sua força estará na fidelidade a Palavra. 

Depois desta purificação a Isaías se dispõe a anunciar a Palavra. Surge o “Eis-me aqui, envia-me a mim”. Agora sim, Deus envia o profeta. Este começa a sua missão. Porém, Deus não engana o profeta, nos versículos seguintes (6, 9-10) Deus alerta o profeta sobre o fracasso da sua missão. A pregação de Isaías embaterá na incompreensão de seus ouvintes. O profeta não deve ter ilusão. Deus não quer a incompreensão do povo, mas ele a prevê e ela serve aos planos de Deus. Esta incompreensão descobre o pecado do coração do povo. Deus revela ao seu profeta que a sua missão será dura, difícil. Mas esta dificuldade será apenas uma etapa da missão. 

Aqui convido a ler todo o capitulo 53 de Isaías. O servo sofredor é o profeta, é todo aquele que anuncia a Palavra. O profeta terá que “passar pela água, passar pelo fogo e o mais incrível não se queimará”. Mas ele não se queimará por que já foi queimado pelo fogo do Senhor. 

Terá que viver o cansaço, a decepção causada pela recusa da Palavra “Mas eu disse foi em vão que me fatiguei, debalde, inutilmente gastei as minhas forças”. Mas será por meio do profeta que “o desígnio de Deus há de triunfar. Após o trabalho fatigante da sua alma ele verá a luz e se fartará” (53, 10-11). Ele sabe que a Palvra não volta atrás. Ela sempre dá seus frutos (Is 55, 11). 

Toda a caminhada do profeta é a caminhada da Palavra, o profeta está intimamente unido ao destino da Palavra. Vemos que a Palavra de Deus é tão rica, tão poderosa e maravilhosa, mas também tão desafiadora. Ser profeta é estar na periferia do mundo, é viver da fé, da certeza da vitória sobre o mal, pois no final de tudo o triunfo será da Palavra. Custe o que custar no final o triunfo será da Palavra e com a Palavra o triunfo será do profeta.


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