Com a solenidade de
Pentecostes encerramos o tempo pascal. Durante cinquenta dias, vivemos com a
mesma intensidade as alegrias daquela noite da Vigília Pascal, quando as trevas
foram vencidas pela luz e o círio que representa o Ressuscitado, entrou por
nossas vigílias enchendo nossas igrejas novamente de luz.
O Senhor celebrado na
Festa da Ascensão que voltou para o seio do Pai, também prometeu que estaria
entre nós até a consumação dos tempos. O Espírito Santo, o Paráclito, o outro
Advogado prometido por Jesus, foi derramado abundantemente sobre toda a humanidade,
quando o Senhor entrega o seu Espírito ao Pai. A partir daquele momento,
cumprindo a Palavra do próprio Jesus, “se eu não for o Espírito não
virá a vós. É Preciso que eu vá para que Ele venha” (Jo. 16,7).
O Espírito Santo de Deus
derramado sobre os nossos corações, faz com que a paz volte a reinar neles. A
paz de Jesus que não se confunde com o comodismo do mundo, ela é dinâmica, põe
em movimento, não nos deixa passivos. Pelo contrário, com o anúncio da paz, ela
faz também com que os discípulos sejam enviados. Esta paz coloca-os em
movimento, dinamiza, vivifica a Igreja que nasceu do seu lado aberto. É
semelhante aquele sopro divino que encontramos no gênesis, quando o Senhor Deus
criou o homem. Aquele corpo inerte recebeu o hálito da vida pelo sopro de Deus.
No Evangelho deste dia,
Jesus entrou, soprou sobre eles e lhes disse:“Recebei o Espírito Santo. A
que perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados; a quem não os perdoardes,
eles lhes serão retidos” (Jo. 20,22-23). Deu a Pedro e aos Apóstolos
reunidos o poder de ligar e desligar: “O que ligares na terra será
ligado nos céus. O que desligares na terra será desligado nos céus” (Mt.
16,19). Deu-lhes o mandato da misericórdia e o perdão de Deus; enviou-os a
evangelizar: “Ide pelo mundo inteiro, pregai o Evangelho a toda
criatura” (Mc. 16,15).
Desse modo, que ninguém
venha a dizer que não ouviu o anúncio. Portanto, a paz que Jesus nos comunica
não pode se confundir com um conceito de paz, que as vezes entra em nossa mente
como um estado cômodo e sem perturbação. A paz de Jesus não é algo que vem para
nos deixar imobilizados, passivos, diante dos desafios do tempo. Nada disso! Eu
não conheço um santo sequer que tenha vivido dessa forma passiva. Todos os
santos foram pacíficos, promoveram a paz de Jesus incendiando o mundo com sua
doutrina, mas sempre questionando tudo aquilo que contradizia a presença do
Reino de Deus no mundo, neste Reino que Jesus inaugurou com sua morte e
ressurreição.
O próprio Jesus nos
disse: “Eu vos deixo a minha paz, eu vos dou a minha paz” (Jo.
14,27). Por isso caríssimos, tantas e tantas vezes, no momento do abraço fiz
questão de dizer: “Meus irmãos e irmãs, a paz de Cristo não é como a paz do
mundo, passageira, transitória, fugaz. A paz de Cristo aquece, enche os nossos
corações e nos deixa inquietos, enquanto não vermos os sinais da presença do
Reino atuando no mundo.
Estes sinais já estão
atuando. Através do nosso modo de ser e viver, outros reconhecerão que somos
discípulos do Mestre e que o Reino de Deus, que foi inaugurado com a sua
presença no mundo, está entre nós porque ele continua agindo em cada um,
transformando corações e mentes, colocando-nos numa atitude de acolhimento e
disponibilidade para não só ouvirmos a Palavra, mas nos deixarmos plasmar pela
Palavra, fazendo de cada um novas criaturas.
Não adianta aspirarmos
grandes transformações, se não começarmos pelo nosso próprio coração. É o
coração que primeiro tem que ser transformado. A primeira leitura desta festa
nos traz a ilustração da ação do Espírito Santo no Pentecostes: “Quando
chegou o dia de Pentecostes” (At. 2,1). No Evangelho é
feita uma alusão ao dia de Pentecostes como sendo o primeiro dia da semana. É o
domingo, é o dia do Senhor, é o dia que inaugurou a nova criação. Na manhã
daquele primeiro dia da semana, estando reunidos, Jesus entrou e comunicou o
seu Espírito. Hoje, estando reunidos, no dia de Pentecostes, no mesmo
lugar, “de repente veio do céu um barulho...” (At. 2,2). Essa
narrativa ilustra para nós que, onde o Espírito entra, tudo se transforma, nada
permanece como estava, porque é característica do Espírito operar estas moções
que agem dentro de nós, pela força da graça de Deus.
O texto diz: “De repente,
veio do céu um barulho como se fosse uma forte ventania” (At. 2,2). No
Evangelho Jesus soprou, no livro do Gênesis houve o sopro de Deus (para
os hebreus: ruah) e aqui uma forte ventania. A ventania nada mais é do
que o ar em movimento. Portanto, traduz-se para nós como um dinamismo
impulsionador, que fez com que esses homens que outrora acomodados,
amedrontados, oprimidos pela dureza dos acontecimentos dos quais eles foram
testemunhas, arrebentassem todas as portas, todos os limites do mundo
conhecido, para falar desta novidade, para anunciar Jesus Cristo.
É importante perceber que
quando ouvimos dizer que “moravam em Jerusalém judeus devotos, de
todas as nações do mundo. Quando ouviram o barulho, juntou-se uma
multidão” (At. 2,6), refere-se ao momento em que os discípulos
entenderam que, o dinamismo do Espírito, fazia com que a Igreja nascente
começasse a se movimentar em todas as direções. Daí, “juntou-se uma
multidão e todos ficaram confusos, pois cada um ouvia os discípulos falar em
sua própria língua” (At. 2,6). Vejam, não é que eles falassem várias
línguas ao mesmo tempo. Cada um os ouvia na sua própria língua. Assim, o que
eles diziam chegava aos corações com a capacidade de serem
compreendidos.
Caros irmãos, todos os
domingos o milagre de pentecostes se renova. Sem dúvida, quando o padre faz a
pregação da Palavra, mesmo que esteja falando numa única língua, mas ali no
templo estarão presentes pessoas que, embora falando essa mesma língua, trazem
consigo histórias diferentes, modos de viver diferentes, níveis de educação e
cultura diferentes. No entanto, a mesma Palavra chega a todos os corações e
dará satisfação na medida em que cada um for capaz de acolher.
É tão bonito, e eu já tive a
oportunidade de perceber isso nesses meus quatorze anos de exercício do
ministério sacerdotal e de pregação, pessoas mais cultas e menos cultas,
pessoas de todos os níveis, dizer: “Eu consegui entender tudo o que o senhor
disse”; “parece que o senhor conhecia a minha história”. Isso é porque o
Espírito é quem fala e não o pregador. É o Espírito que, de fato, decodifica as
palavras e faz com que cada um ouça na medida daquilo que necessita. É o
milagre! Não é pura e simplesmente oratória, eloquência. É o dom que vem do
alto, não para quem fala, mas para quem ouve, para quem recebe o que foi dito.
“Cada um ouvia os discípulos
falar em sua própria língua. Cheios de espanto e admiração, diziam: “Esses
homens que estão falando não são todos galileus?” (At. 2,6-7). Isso também quer nos falar da
universalidade do anúncio de Jesus Cristo. A Palavra de Jesus é ouvida em todas
as línguas da terra. Como é interessante! O Evangelho que refletimos neste
domingo, é o mesmo que neste dia é proclamado em todas as nações da terra.
“Como é que nós os escutamos
na nossa própria língua? Nós que somos partos, medos e elamitas, habitantes da
Mesopotâmia, da Judeia e da Capadócia, do Ponto e da Ásia, da Frígia e da
Panfília...” (At.
2,8-10). Poderíamos então dizer: “Nós que somos ingleses, franceses, americanos
do Sul e do Norte, mexicanos, japoneses, chineses, italianos, suíços... todos
nós os ouvimos em nossa própria língua.
Rezemos irmãos, para que
saibamos fazer a experiência de Pentecostes, saibamos ouvir e discernir as
moções do Espírito Santo, e que ele suscite em nossos corações a vontade de ser
Igreja que vive do anúncio de Jesus, a partir da vivência dos dons que
recebemos. Amém.( Pe. Márcio Henrique)
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