sábado, 24 de setembro de 2011

Admirável não é dizer, é fazer

Ezequiel 18,25-28; Salmo 24; Filipenses 2, 1-11; Mateus 21, 28-32


Que as nossas palavras tenham o máximo de coerência com a nossa prática, este é o ponto principal da parábola de Mateus (21,33-43), que apresenta dois filhos. A história é bem curta. É o caso de um pai que pediu que os filhos fossem trabalhar na sua vinha. O primeiro disse que não iria, mas mudou de idéia e obedeceu, foi. O segundo disse que iria, mas não foi. Em seguida Jesus pergunta: “qual dos dois fez a vontade do pai?” A resposta, claro, é que foi o primeiro filho.

Desse modo, o primeiro filho lembra os publicanos e pecadores por não conseguirem obedecer à lei, por isso eram tratados como pagãos, excluídos do povo de Israel. O segundo representa os escribas e os fariseus, os que conheciam a lei, logo eram presunçosos porque se achavam como os filhos que disseram “sim” a Deus, porque observavam a lei com fidelidade. Por causa dessa presunção, eles tornaram-se tão radicais, homens irrepreensíveis, achavam-se mais conhecedores da lei, porém quando Deus enviou o seu filho Jesus, palavra encarnada do Pai, eles se recusaram a aceitar o Seu projeto. Por esse motivo eles são comparados com o segundo filho, porque de certo modo foram eles que disseram “sim, sim”, mas na realidade nada fizeram e nem obedeceram a Jesus. Por outro lado, os publicanos e pecadores, que foram considerados como transgressores da lei, ou seja, negaram a lei num primeiro momento, são os que pensaram melhor, arrependeram-se pela resposta dada ao pai, e foram trabalhar na vinha. Dessa forma, eles são identificados com o primeiro filho.

No nível da vida cristã a parábola está relacionada ao discipulado, tem a ver com a importância da resposta concreta ao convite de Jesus. Sem dúvida, o primeiro filho é apontado como um exemplo de discípulo. Não importa se a pessoa passou por experiências pagãs, se seus costumes anteriores foram reprováveis, se experimentou uma vida moralmente questionável, se sempre foi errado e nunca deu um “sim” explícito a Deus, o que vai importar é que, em última análise, ele aceitou o chamado de Jesus Cristo através do arrependimento e de uma resposta de fé. Assim, como os publicanos e os pecadores se arrependeram e creram em Jesus (Mt. 21,32), do mesmo modo, qualquer pessoa, não importa qual tenha sido a sua vida passada, pode responder positivamente a Jesus, mudando sua vida e colocando-se a serviço Dele. Daí em diante essa pessoa passa a agir como um filho de Deus, discípulo de Jesus, herdeiro do Reino: “Quem faz a vontade de meu Pai celestial é meu irmão, minha irmã e minha mãe” (Mt. 12,50). Uma das críticas mais amargas de Jesus contra os fariseus consistia em dizer que eles só faziam falar, mas as obras eram escassas: “Vocês devem fazer e observar tudo o que eles [os fariseus] dizem. Mas não imitem suas ações, pois eles falam e não praticam” (Mt. 23,3). Eles são como o segundo filho que disse “sim” a seu pai, mas falhou.

Essa reflexão nos leva à consciência de que entre nós cristãos há sempre os dois comportamentos, temos algo dos dois filhos. Às vezes dizemos “sim”, mas, depois, no concreto da vida, nossas ações revelam que foram transformados em muitos “não”; outras vezes dizemos “não” e, na prática cotidiana, aparecem expressões de amor e sacrifício pelos outros. Discipulado é, portanto, um seguimento que envolve obras, amor ao irmão. No verdadeiro discípulo se constata as palavras apoiadas pelas ações. O próprio Jesus dizia: “Nem todo aquele que me diz ‘Senhor, Senhor’, entrará no Reino do Céu. Só entrará aquele que põe em prática a vontade do meu Pai, que está no Céu” (Mt. 7,21). Portanto, o nosso dever é “amar não só com palavras, mas com obras de verdade” (1 Jo 3,18). O maior teste para saber se alguém é mesmo seguidor de Jesus, não consiste simplesmente em provar se ele sabe de cor os capítulos e versículos da Bíblia, mas se ele está vivendo o mandamento do amor aos irmãos.

A parábola é um grande desafio para os cristãos, para os que aceitam Jesus como centro de suas vidas. Os rituais litúrgicos, novenas, orações, a piedade do nosso povo, devem estar intimamente orientados por uma espiritualidade que conduza aos gestos virtuosos em favor dos semelhantes. É preciso ter em mente, que há o perigo de se aproximar destes rituais celebrativos, reduzindo-os a meros rituais externos, divorciados de nossa vida diária. Pode acontecer que, embora sejamos fiéis em participar das celebrações, não façamos um esforço para levar uma vida de acordo com o que celebramos, isto é, com “o mesmo sentimento que existe em Cristo Jesus” (Fl 2, 5), de entrega e doação. Nesse sentido poderíamos ser como os fariseus, cujas palavras estavam distantes das ações. Para fazer de Jesus o centro real da nossa vida, é necessário se deixar tocar por Ele, de modo que nos sintamos envolvidos a ponto de mudarmos profundamente nossos pensamentos e ações. A sugestão é que nos comportemos como um terceiro filho, apesar de não fazer parte desta parábola, é o que considero mais interessante, porque “diz” e “faz”.

Enfim, uma vida religiosa que não leva a boas ações, é vazia, porque não apresenta uma resposta concreta a Deus.


Fonte: Pe. Márcio Henrique Mendes Fernandes

Pároco da Catedral de Campina Grande
@catedralcg

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